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Empresa de dados enganou governos, OMS e revistas científicas do mundo todo
03/06/2020 19:21 em Ciência & Saúde

Causou espanto na comunidade científica a “expressão de preocupação” manifestada pelas revistas The Lancet  e New England Journal of Medicine a respeito da pesquisa publicada pela revista britânica em 22 de maio. O estudo afirmava que a hidroxicloroquina não deveria ser utilizada no combate à covid-19 por estar associada a uma maior taxa de mortalidade em pacientes com a doença e a problemas cardíacos aumentados.

Nesta quarta-feira, 03, porém, uma extensa reportagem do jornal britânico The Guardian explica o que levou as publicações a questionarem os dados do estudo.

Segundo o jornal, todos os dados utilizados para chegar às conclusões sobre a hidroxicloriquina foram retirados do banco de dados de uma empresa americana chamada Surgisphere, fundada e dirigida por um dos coautores da pesquisa em revisão, Sapan Desai.

Na investigação para a matéria, o Guardian descobriu que:

  • Pesquisa de material disponível ao público sugere que vários funcionários da Surgisphere têm pouco ou nenhum dado ou formação científica. Um funcionário listado como editor de ciências é autor de ficção científica e artista de fantasia. Outra funcionária listada como executiva de marketing é modelo adulto e anfitriã de eventos.
  •  A página do LinkedIn da empresa tem menos de 100 seguidores e na semana passada listou apenas seis funcionários. Isso foi alterado para três funcionários na quarta-feira.
  •  Embora a Surgisphere pretenda executar um dos maiores e mais rápidos bancos de dados hospitalares do mundo, quase não tem presença on-line. Seu perfil no Twitter tem menos de 170 seguidores, sem postagens entre outubro de 2017 e março de 2020.
  • Até segunda-feira, o link “entrar em contato” na página inicial da Surgisphere redirecionava para um site de criptomoeda, levantando questões sobre como os hospitais poderiam facilmente entrar em contato com a empresa para ingressar em seu banco de dados.
  • Desai foi nomeado em três processos por negligência médica, não relacionados ao banco de dados da Surgisphere. Em entrevista, Desai descreveu anteriormente as alegações como “infundadas”.
  • Em 2008, Desai lançou uma campanha de crowdfunding no site indiegogo, promovendo um “dispositivo de elevação humana de próxima geração que pode ajudá-lo a alcançar o que você nunca imaginou ser possível”. O dispositivo nunca teve sucesso.
  • A página da Wikipedia de Desai foi excluída após perguntas sobre a Surgisphere e sua história.

O estudo agora posto à prova afirmou ter levantado dados de 96 mil pacientes com covid-19 em 671 hospitais espalhados pelo mundo. A história, no entanto, começou a ruir quando o Guardian australiano questionou o número de mortes contabilizados no país no período da pesquisa.

O problema é que, até então, a OMS já havia suspendido a hidroxicloroquina de seus testes com medicamentos para combate ao coronavírus e países como o Peru usaram estudos de Sapan Desai para incluir drogas como a ivermectina, um antiparasitário, em seus protocolos de tratamento.

Ainda no Guardian, “O Dr. James Todaro, que dirige o Medicine Uncensored, um site que publica os resultados dos estudos com hidroxicloroquina, disse: ‘A Surgisphere surgiu do nada para conduzir talvez o estudo global mais influente nessa pandemia em questão de poucas semanas. Não faz sentido’, disse ele. ‘Isso exigiria muito mais pesquisadores do que afirma ter para que esse expediente e [tamanho] de estudo multinacional sejam possíveis’.

Desai não conseguiu explicar à reportagem como realizou a proeza e nem quando foi que sua empresa deixou de ser um negócio que vendia livros de medicina para se tornar um banco de dados médicos.

Para o professor de doenças infecciosas emergentes e saúde global do Departamento de Medicina de Nuffield da Universidade de Oxford, Peter Horby, “as preocupações muito sérias levantadas sobre a validade dos trabalhos de Mehra et al precisam ser reconhecidas e acionadas com urgência e devem trazer sérias reflexões sobre se a qualidade editorial e da revisão por pares durante a pandemia foi adequada”, pontuou ao Guardian. “A publicação científica deve acima de tudo ser rigorosa e honesta. Em caso de emergência, esses valores são mais necessários do que nunca.”

Fonte: revistaoeste.com

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